sábado, 31 de outubro de 2009

O coroinha

Ele era terrível. Na escola, dava nó em pingo de água e conseguia se safar sempre... Quando percebia que as explicações não eram suficientes, abria o berreiro. Chorava, chorava e como era muito branquinho, logo ficava roxo. O cabelo que já vivia pra cima, com a cena ficava ainda pior.

Fato é que ele já era uma lenda não apenas na escola onde estudava, mas também em todo o bairro onde morava e adjacências. Não era pra menos: ele já havia marcado a quadra de esportes com os seus dentes, colado as suas mãos durante uma aula de português, carimbado o traseiro de duas ou três meninas com tinta de caneta e isso sem contar o dia em que ele quis comprar um arco e flecha para acertar o gato da vizinha (alguns professores juram que ele queria mesmo era acertar algum mestre durante as aulas...). Ou seja, ele era uma lenda viva...

Ah sim, ele era terrível. Daqueles que têm cara de anjo, mas é um... prefiro nem mencionar. Não parava quieto. Todo mundo tinha vontade de amarrá-lo na cadeira ou então colocá-lo dentro de uma caixa-box com apenas uns furinhos para respiração... Todo mundo se perguntava como fazer aquela criaturinha dos céus (ou dos infernos) sossegar, mas até então ninguém tinha descoberto. Até que um dia...

Cidade do interior, sabe como é... Domingo é dia de missa e todo mundo se reúne. A missa serve mais como um grande evento social, o ponto de encontro dos moradores da região. Pois bem. Eis que em um belo domingo, uma santa professora estava lá sentadinha nos bancos paroquiais, preparando-se para o sermão semanal quando de repente se deu conta de um fato no mínimo inusitado. A igreja era a mesma, o padre, os leitores, as imagens, a mesa do sacrifício... mas havia uma coisa diferente. Bem diferente, aliás.

Um coroinha chamou-lhe atenção pelo comportamento exemplar. Tudo bem, eu sei... O amigo leitor vai dizer que todo coroinha tem o comportamento exemplar... mas não aquele. A educadora retirou os óculos, limpou-os e olhou novamente para o altar para ter certeza do que estava vendo: sim, era ele. Aquele cabelo loiro e os grandes olhos azuis não deixavam dúvidas: o menino com o incenso nas mãos era o mesmo aluno que levava a loucura até aquele ser do mundo de baixo...

O caso é que na Igreja o mocinho era realmente um anjo. Passou toda a missa quieto, fazendo tudo o que lhe era ordenado como um cordeirinho... Abismada, a professora pensou que a qualquer momento ele fosse levantar a batina do padre e sair correndo bebendo o vinho e distribuindo pão para quem quisesse, e em sua consciência "pedagógica" já começou a planejar formas de conter o dito cujo. Mas não foi isso que aconteceu... o menino era quase como uma estátua dos santos: um doce de criaturinha, pura e santa. Era isso: uma criaturinha divina!

Veja bem, querido amigo, como são as coisas... conto-lhe todas essas coisas para que não perca jamais a esperança. Se até mesmo o menino que apertou os seios das índias no museu estava agora ali, diante do olhar atento da professora, servindo de exemplo de dedicação, uma coisa fica clara para todos nós: sim, os milagres realmente acontecem. E custando a acreditar no que via, finalmente a senhorita rendeu-se ao fato raríssimo a que assistia... E ao se dar conta disso, prometeu a si mesma e a todos os santos que serviam como testemunhas que a partir daquele dia iria à missa todos os dias, até o fim de sua vida. Afinal, após presenciar a ocorrência de tão grande milagre, chegou a conclusão de que os milagres podem ocorrer a qualquer momento, sem marcar hora nem local. E diante das circunstâncias, resolveu que não quereria mais perder oportunidades... Nunca mais.





Um comentário:

Anônimo disse...

Ai, amiga. Tu arrasa neh...
Quem será essa professora? E essa crinça? Isso realmente pode existir? Não será uma crônica de algum escritor famoso???...rs
Bjos da Rafa!