domingo, 27 de setembro de 2009

Tempos de Faculdade

Finalmente as palavras voltaram. Escrevi muitas coisas no final de semana: artigo da revista, ensaio da pós com 7 páginas, textos para o blog... Ou seja, estou felizinha e com os dedos cansados. Para escrever tudo isso, precisei revirar alguns papéis velhos. Leia-se: pastas da faculdade. Precisava encontrar uns textos do Bordieu, mas não encontrei uma só folha dele. Encontrei outras coisas... Encontrei memórias. Muitas memórias.

Eu sempre disse que não aproveitei a época da faculdade. Por diversos motivos. Claro que o maior de todos era a minha falta de tempo... Entrei na UERJ com 18 anos. Ótima idade, você dirá. O problema é que eu com 18 anos morava sozinha (meus pais moravam no RS e eu no RJ), trabalhava cerca de 10 horas por dia, estudava, malhava, cuidava e mantinha a casa (de verdade) e ainda que tinha que arrumar tempo para o namorado, que já existia nessa época. Além disso, eu revezava aulas de inglês e mitologia aos sábados. O dia inteiro.

Sempre pensei não ter nenhuma lembrança daqueles cinco anos. Mas revendo meus papéis e minhas anotações, descobri que sim, eu tinha. E tenho. Muitas... Lembrei de muitos professores, muitas aulas chatas, muitas aulas boas. Lembrei do meu professor de redação que só dava cinco em todos os meus textos. Acho que foi a primeira vez na vida que fui para a prova final... Sempre me perguntei se eu escrevia realmente mal ou se ele era exigente demais. O nome dele era Ruy e a gente chamava ele de “Ruim”... Ele estava na UERJ há uns 60 anos, pelo menos. Tinha os cabelos beeeem brancos, daqueles que dá vontade de pôr a mão pra sentir se é macio, e usava um perfume extremamente forte. Quando ele apontava no corredor, da sala nós já sentíamos o cheiro do perfume e ouvíamos os passos dele. Durante a aula era aquele silêncio. Às vezes, a gente achava melhor não respirar porque qualquer barulho o incomodava. E não, ninguém queria incomodar o Ruy. Bom, o que sei dele é que ele odiava os meus textos, mas passei nele. Com a média cravada, mas passei. Depois tive outras cadeiras de redação. Em uma tal de TCE – Técnicas de Comunicação e Expressão – eu só tirava dez. Bom, a turma dizia que quem me dava 10 era o professor e não os meus textos. Alguns mais maldosos diziam que eram as minhas pernas... Eu discordo disso, obviamente. rs

Quanto aos professores, lembro de alguns. Mais do que nomes, lembro de rostos, aulas, conversas. Se eu fosse classificá-los, precisaria de várias subdivisões: os que me ensinaram muitas coisas boas da profissão, os que não me ensinaram nada, os que eram doidos de pedra, os que me conquistaram como pessoa, os que eu me perguntava o que estavam fazendo na universidade e UM pela falta de caráter.

Olhar aquela papelada trouxe à tona memórias muito antigas... Cenas que permaneceram escondidas esse tempo todo. Foram cinco anos dentro da UERJ. Cinco anos lutando todos os dias. Cruzava três municípios por dia. Três grandes municípios. Correria, pressa, ônibus lotado, outro ônibus, outro ônibus. Livros, pastas, cadernos, xerox. Escadas, escadas, escadas. Salto alto correndo pelos corredores – toc toc toc toc. Chegava na sala tão acabada que jogava tudo, e quando finalmente me ajeitava, estava na hora de ir embora.

Além da lembrança da correria constante, outras surgiram em minha mente: a ligação de parabéns por ter passado no vestibular, o dia da matrícula, o primeiro dia de aula, a escolha das disciplinas, o rapazinho bonito e educado que me ajudou a montar o horário e depois me levou em casa.

Lembrei também do primeiro show do George na faculdade, da primeira festa que participei, da primeira vez que o V. foi me pegar com aquela calça de brim e a blusa azul e como me senti importante e invejada por ter um cara como ele.

Lembrei do Palácio de Cristal, da cantina, das aulas, dos bancos, da grama pisada. Dos dias em que passei estudando e discutindo com o pessoal da História – até hoje acho que fiz o curso errado. Daquele rapaz que me explicava as diferenças entre os “compêndios”... e ele era lindo e tinha olhos tão lindos e me despertava tantas coisas...

Lembrei das milhões de idas à secretaria para pedir requerimentos, matrículas, matérias e carteirinhas. Do medo de ir ao banheiro à noite sozinha porque eu sempre achava que tinha alguém escondido em algum lugar...

Não me lembro se eu tinha caderno. Lembro de ler livros o tempo inteiro. Vários e ao mesmo tempo. Leitura feita nos ônibus, trabalhos feitos na hora do almoço, pesquisa em bibliotecas nos finais de semana e aulas de mitologia que eram em outro campus aos sábados, quinzenalmente. Sim, era uma vida muito corrida. Se havia uma coisa que eu não tinha era tempo. Sempre estava atrasada. Alguns professores aceitavam numa boa, outros não me deixavam entrar. Fui reprovada em duas matérias por falta. Fui aprovada em outras duas por bondade dos professores. E sim, tive que ameaçar um processo de assédio para ser aprovada em uma terceira.

Não quis formatura porque sempre achei isso tolice. Mas fiz a colação de grau. Saí do trabalho às 15h e fui receber o canudo com a minha roupinha de secretária executiva. Eu nunca tive turma fixa, mas ganhei uma festa de aniversário surpresa no 12 de julho de algum ano de uma turma que se considerava "a minha turma". A faculdade inteira me (re)conhecia pelo traje social em meio a tantas havaianas e bermudões. Naquela época tudo o que eu sonhava era poder ser uma menina de 18 anos que ia pra faculdade de sandálias e vestidinhos. Mas eu não podia. Tinha outras responsabilidades. E era bem paga. E justamente por isso que eu não podia reclamar. Acho que foi nessa época que eu descobri que dinheiro não comprava - e nem compra - a minha felicidade.

Um dia, cheguei na aula atrasada e o professor não me deixou entrar. Voltei com pasta, livros, apostilas e blazer nos braços. Sentei na escadaria principal, soltei os cabelos e chorei. Chorei porque eu não conseguia mais. Eu dava o melhor de mim e ainda não era o bastante. Chorei como uma menininha que só precisava de colo. Ou apoio. Ou ajuda. E foi aí que um grande amigo chegou e sentou-se ao meu lado. E conversou comigo. E me ouviu. E me consolou. E disse: “você tem mais responsabilidades do que deveria ter”. Naquele dia eu resolvi trancar a faculdade... Fiquei um ano afastada, com stress. Meu olho pulsava, chorava à toa, não tinha disposição para nada. Um ano depois voltei. Contrariada, mas voltei.

E foi aí, na volta, que eu descobri a paixão pelo curso. Descobri que dar aula era tudo o que eu queria e que eu precisava de equilíbrio. Estudava o que dava, confesso. Gostaria de ter estudado muito mais, talvez por isso hoje em dia estude tanto e com tanto gosto. Com exceção de “Port I”, minhas notas sempre foram acima de 8.5. Afinal, nunca gostei de fazer as coisas pela metade.

Descobri que às vezes era necessário sentar na mesa do bar e jogar conversa fora. Descobri que eu não precisava ir às festas para curtir a música – eu podia simplesmente ouvir pela janela. Mas quando a vontade era incontrolável, eu descia e fazia uma social. Aprendi a levar shortinhos e havaianas no carro. E aprendi que podia trocar de roupa quando queria me sentir mais adolescente. E foi assim, nessa volta por obrigação, que descobri a paixão que alguns professores tinham pela arte de ensinar. E foi aí que eu decidi que tudo o que eu mais queria era ser igual a eles. Descobri que despertar a vontade de aprender no outro é a melhor sensação do mundo. Descobri que os livros são amigos e não inimigos, e que mesmo quando são obrigatórios, eles são deliciosos. Mas é preciso aprender a saborear. E saborear por completo, não apenas o miolo. Como tudo na vida... Foi aí que comecei a me dar conta que o todo é que me faz feliz. E foi aí que me percebi feliz. Com o trabalho, com a faculdade, com o namorado. E hoje, ao lembrar de todas essas coisas, chorei. Chorei porque sempre achei que não tivesse aproveitado a minha graduação, mas descobri, finalmente, que sim... foram cinco anos muito felizes e quis dividir essa experiência com vocês.

Espero que tenham gostado.
Uma abençoada semana para todos!

Beijo e até a próxima

7 comentários:

717 disse...

nossa otimo texto...

Anônimo disse...

Ah! como eu gostaria de fazer isso. Morar sozinha, fazer minha faculdade!
Vai dizer que não aprendesse MUITA coisa, além do português nesses 5 anos no Rio?

QUE legal, pior que eu também quero ir pro Rio, ACHO, que fazer Jornalismo.

Beijos, boa semana

George disse...

O primeiro show na faculdade... o que foi aquilo?!? rs
Garota, me senti sentado na mureta no corredor que ligava o bloco 1 do bloco 2, tomando aquela brisa da noite!!!! kkkk

Obs: Quem foi o amigo que ficou sentado contigo na escada????

Bjs

maria luiza cardoso - 801 disse...

ótimo prof, ótimo! concordo com várias coisas que você disse, e vejo, hoje, que ser professor não é tão ruim assim, como muitos acham, e não vou mentir, como eu achava também. a cada dia estou vendo que muitos professores perdem sim a paciência, mas continuam, não só pelo bem dos alunos, mas pelo amor à profissão. queria te dizer que é isso prof, bola pra frente! faz o que você quiser que você tem MUITA capacidade, posso ter apenas 13 anos, mas acho que já te entendo bastante, pelo esse pouco tempo que te tenho como professora, consigo notar esse amor, essa dedicação que você tem, por todos. você realmente me ganhou, primeiramente, com a sua pessoa, com a sua personalidade e não com a matéria ou com outras coisas, porque além disso, eu não gosto muito de português, eu odiava, mas com você dando aula, aprendo a cada vez gostar mais. você deixa extremamente as coisas mais divertidas, sempre tem hora para brincadeiras e para ser séria, e você sabe muito bem como lidar com isso. bom, só quero te agradecer por você ser essa professora maravilhosa e cuidadosa com todos os seus alunos. muito obrigada mesmo, beijos, te amo prof ♥

Pedrinho disse...

Excelente texto!!

Fez-me tb voltar aos meus tempos de faculdade. Boas recordações. Mas tb despertou alguns fantasmas.

Mtos parabéns Elem!
Vou continuar a frequentar o teu blog.

Bjinhos

Pedrinho

Nathália Mello disse...

nossa professora, grande desabafo, realmente ser professor é uma grande complicação, e tenho certeza que jamais teria tanta paciência com alunos; eu sentaria no chão e choraria, sem dúvida. mas o bom é que temos vocês, professores que sabem equilibrar a brincadeira e dar aulas ótimas, e no fundo, todos que aparentam odiar vocês, apenas odeiam passar o tempo ouvindo uma aula; pelo menos eu penso assim, beijos, e amamos você ♥

eliza rebello disse...

Ai professora, que texto lindo! Nossa, esse texto me fez repensar em tantas coisas...Fique sabendo, que você é uma das melhores professoras do colégio, porque dá de perceber isso só pelas suas aulas e do jeito como você se organiza para tudo. E fora da sala de aula então, és a professora mais legal, simpática que eu já tive! Beijos e obrigada por ser assim, tão simpática e tão legal comigo e com todos seus outros alunos.