segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Eu, a Raposa e o Príncipe

E eu continuo achando que o problema maior de todas as separações são os campos de trigo que ficam espalhados pelo caminho. E eu confesso, e nem precisaria, que tenho dificuldades para continuar vivendo a minha vidinha quando há em volta de mim tanto trigo espalhado. Porque sim, não importa quanto tempo dure uma relação, os campos de trigo sempre se fazem presentes. 

Saint-Exupéry contou-nos uma história há muito tempo. Um principezinho de um planeta distante veio à Terra e aqui conheceu a Raposa, que lhe pediu que a cativasse, pois se assim o fizesse, tudo para ela teria  sentido, pois teria sido cativada. O problema é quando nos deixamos cativar, corremos o risco de chorar, já dizia ele. Um dia, quando o principezinho vai embora, ele deixa vários trigos, que são as recordações de tudo o que foi vivido. O problema é que eu, diferentemente da Raposa, não sei lidar com isso. Eu não sei recolher, ignorar ou esquecer os campos que ficam a minha volta quando alguém se vai.

Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa nenhuma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...

"E eu amarei o barulho do vento no trigo...". Não, eu não mais amo o barulho do vento no trigo.  Eu não sei lidar com o trigo que ficou espalhado em meu quarto, em minha casa. Antes, era simplesmente o meu quarto, o local onde eu descansava e dormia. Não é mais. Hoje, o quarto tornou-se um grande campo. E eu não amo o barulho do vento no trigo. Pelo contrário, eu odeio olhar a varanda vazia, o cinzeiro sem o seu cigarro, a cama sem o seu corpo e a toalha azul estendida sem uso. Odeio também a parede fria onde eu adorava dormir encostada, porque ela também tornou-se um trigo para mim... Você fez isso. Você transformou tudo o que havia aqui em uma única sensação de "ele não vem mais". 


- Por favor... cativa-me! disse ela.- Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa nenhuma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
- Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.
- É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto...



Não, eu não pedi que me cativasse. E nem você pediu, eu sei. Mas, primeiro, você me olhou com canto de olho. Depois, eu te olhei também. E então, a cada dia você se sentou mais perto, mais perto, mais perto, até que, puff!, lá estávamos nós... sentadinhos à mesa, juntos, comendo, conversando e rindo como qualquer casal que ri dos acontecimentos do dia e troca informações bestas e banais sobre tudo. Casal este que nem chegamos a ser de verdade. Sim, você me cativou. VOCÊ me cativou. Tola que fui. Você me cativou... E eu passei a conhecê-lo bem. Mais até do que eu precisava ou esperava. Mas depois dessa etapa, o principezinho se vai. O principezinho e você. E você se foi.

Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:
- Ah! Eu vou chorar.
- A culpa é tua, disse o principezinho, eu não te queria fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...
- Quis, disse a raposa.
- Mas tu vais chorar! disse o principezinho.
- Vou, disse a raposa.
- Então, não sais lucrando nada.
- Eu lucro, disse a raposa, por causa da cor do trigo.

Sim, a culpa é minha! Eu permiti você aqui. EU permiti. E agora eu não quero a cor do trigo apenas. Eu não quero a toalha sem uso, o cinzeiro vazio, a cadeira abandonada na varanda, o banheiro desocupado e cama espaçosa. Eu não quero campos de trigo e nem trigos e nem espigas e nem nada que apenas me lembre. Eu quero você. Aqui. Presente. Nada de outros planetas, outros campos, outras plantações. Quero você aqui. Para rir comigo, para falar abobrinhas, para atender a porta, para dar oi pro porteiro e principalmente para envergonhar os vizinhos com o barulho que a gente faz... Sim, eu quero você e não apenas as lembranças de você. As lembranças doem, sabia? 

O principezinho se foi. Voltou para o seu pequeno asteróide... Você também se foi. A diferença na minha história é que você não se lembra mais do que ficou aqui. Lá no livro, a lembrança permaneceu para sempre no coração do Pequeno Príncipe; aqui, não. E eu estou aqui, deitada na mesma cama, escrevendo esse texto dramático e pensando em qual constelação você brilha agora... Sinto tanto a sua falta, e eu só queria que você soubesse. E que (eu/você) pudesse fazer algo. 

Um comentário:

Equilibrista disse...

uma coisa eu aprendi com essa história:
a raposa estava ERRADA!